“Foi um ato e um legado, dos primeiros Azambujenses do século XIII, coletivamente herdado por isso, um momento primordial do nosso património cultural.”

750 anos de foral de Azambuja

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1272

Foi a mais remota fixação da alvorada da nossa comunidade e matriz da nossa identidade. Se tivemos a certidão de nascimento no ano de 1200, o Foral de 17 de maio de 1272, conferiu a certificação de “ser Azambuja” e de “ser azambujense”, enquanto terra e comunidade distinta e autónoma. Neste 1.º Foral e pela 1.ª vez, ficaram inscritas as normas do Direito e organização da comunidade em deveres e direitos, nos campos jurídico, administrativo, fiscal e penal. Comemorar uma data marcante da história local, pressupõe revisitar uma sociedade ordenada segundo a matriz cultural da época, em três Ordens Sociais, Clero, Nobreza e Povo, sociedade trifuncional interdependente, de Oradores, Defensores e Mantenedores. Mas também de Guerreiros e Camponeses, se interpretada enquanto Regime Senhorial Feudal.

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Atribuição de Forais a Concelhos Novos

Independentemente das finalidades sociais gerais, as primeiras cartas de foral eram, fundamentalmente, contratos agrários com o objetivo de povoamento, pelo que muitos forais se encontram na base da formação de núcleos populacionais autónomos.

As cartas de foral eram concedidas pelo Rei ou por um Senhor, laico ou eclesiástico, a uma terra, estabelecendo as normas a seguir pelos habitantes entre si e em relação à entidade outorgante. Trata-se, na realidade, de uma carta de privilégio, e não existem grandes diferenças entre as concedidas pelo rei e as outorgadas pelos senhores particulares ou eclesiásticos.

A atribuição de forais a concelhos, novos ou já existentes, feita pelo rei, nos séculos XIII e XIV, pressupunha um movimento das próprias populações no sentido de se libertarem das leis e da justiça senhorial. Muitas vezes o foral concedido a uma terra tomava como modelo outros, com ou sem alterações, o que justifica a criação de tipologias. Ao longo do século XV, o fortalecimento do poder real e as leis gerais levaram ao declínio das instituições concelhias, pelo que os forais perderam a sua importância, ficando reduzidos a simples listas de tributos dos municípios. Com a reforma manuelina, os forais tornam-se, praticamente, uma atualização dos privilégios e dos encargos das localidades.

Com o advento do liberalismo foram promulgadas várias leis tendentes à supressão dos forais, até por fim abolidos pelo Decreto de 13 de agosto de 1832, confirmado pela Carta de lei de 22 de junho de 1846.

Será o seu alcaide e senhor D. Rui Fernandes e sua mulher, D. Elvira Esteves que de comum acordo com os moradores, produzem por contrato o primeiro instrumento regulador da vida da comunidade da Vila e seu termo, a 17 de maio de 1272. Este instrumento vigorará até que em 17 de janeiro de 1513 D. Manuel lhe concede “foral novo”, cabendo desde o início ao Senhorio da Vila a apresentação dos magistrados municipais, como estava estipulado nas Ordenações para os juízes ouvidores. Só em 1801 a nomeação do juiz de fora competirá ao tribunal superior do Desembargo do Paço. 

De concelho mono paroquial até quase meados do século XIX, acaba esse mesmo século territorialmente unificado e como hoje o conhecemos.

Delimitado desde o século XII, o território da freguesia tem a peculiaridade de concentrar duas realidades geomorfológicas distintas e socioeconomicamente complementares, cuja fronteira artificial, é a linha do caminho de ferro. Para Norte, o “bairro” ou charneca de minifúndio ou pequena propriedade, com povoamento concentrado disperso, salvo a relativamente grande concentração urbana da Vila e, a Sul a grande propriedade na fértil planície da lezíria ou “campo”, que tem no grande Tejo o seu limite natural.

A urbanidade da Vila apresenta uma racionalidade funcional que sabiamente foi sendo implementada no tempo e no espaço, com os principais arruamentos e vias de circulação pública urbana na longitudinal Nascente-Poente, que se interligam por travessas e escadarias que vencem os naturais declives topográficos até aos pontos mais altos, como o esporão natural do Alto da Torre.  Esta estruturação urbana, justifica que os essenciais serviços, comércio e monumentos se localizem na antiga Rua Direita, que conduzia à Praça, Paços do Concelho e Matriz (Rua Eng. Moniz da Maia e Rua Vítor Cordon, atual), como são o Marco da Légua, o Pelourinho, a Igreja Matriz e a Igreja da Misericórdia e Hospital do Espírito Santo. Agradavelmente pedonável, podemos dizer que na Azambuja histórica, cada recanto tem o seu encanto.

Como era natural, a geomorfologia e a expansão urbana, resultante de vários fenómenos sociais, económicos e demográficos, fez a malha urbana contínua crescer “grosso modo” para Norte do que se intui como centro histórico. A industrialização na segunda metade do século XX, a implementação de zonas e eixos industriais, posteriormente eleita pelos serviços do ramo da distribuição comercial das grandes superfícies da Grande Lisboa, resultou num substancial e positivo aumento demográfico e consequente aumento da área habitacional.

Aos quase 8 200 residentes, todos os dias chegam e passam centenas ou milhares de pessoas que aqui trabalham ou a caminho do trabalho. Apesar do Município e da Vila de Azambuja se localizarem no extremo Oriental Norte do Distrito de Lisboa a que pertence e o mais a Ocidente na margem Norte do Tejo da Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo onde se integra, dispõe e oferece acessibilidades e centralidades inquestionáveis. Estacão ferroviária terminal nas ligações suburbanas – Linha de Azambuja –  fica a cerca de meia hora nos comboios regionais a Santarém no sentido Norte, tempo igual até Lisboa e aeroporto Gen. Humberto Delgado. A cerca de dez minutos estão os dois grandes acessos á A1, ou Autoestrada do Norte, quer se trate do nó de Aveiras como do Carregado, pela Nacional 3. 

A ponderação combinada de todos estes fatores, Azambuja acaba por reunir, oferecer e propiciar condições ímpares de atratividade e centralidade, constantemente e cada vez mais exigentes na promoção e desenvolvimento local, nacional e europeu.

Dito de outro modo, um Foral era uma forma jurídico-política tão perita e tão subtil na História do Direito e da Administração que a sociedade medieval encontrou na outorga de um conjunto de diplomas, emanados pelos senhorios, rei ou senhores laicos e eclesiásticos. Nele se estabelecia o conjunto de direitos e de regras pelas quais se devia reger a vida coletiva dos habitantes e na grande maioria dos casos, era o documento que legalmente instituía um concelho, célula base das unidades autónomas de administração e circunscrição local.

E concelho era a designação e identificação de uma comunidade de homens livres, os vizinhos, moradores numa determinada área que usufruíam do privilégio de autogoverno, sinónimo atual de autarquia.

Ser vizinho era condição social, estatuto, identidade, sinal e sentimento de pertença a uma comunidade e localidade. Os vizinhos ou homens-bons do concelho foi uma expressão que surgiu em Portugal logo no século XII, por serem na comunidade os agentes mais diretos e detentores de exercerem e servirem nos cargos principais na administração local. Segundo as tradições locais, a assembleia dos homens-bons reuniam em assembleia pública, no adro ou na praça onde se sediava o paço do concelho com o pelourinho, símbolo da autonomia jurídica do concelho, para eleger as vereações e os demais cargos da governação local

O Nascimento de Azambuja

D. Afonso III, de cognome o “Bolonhês”, por ser também conde de Bolonha, era o rei de Portugal em 1272.

Em termos gerais, era este o quadro jurídico, cultural e mental, que enquadra o Foral de Vila de Azambuja, de 17 de maio de 1272, efeméride histórica que nos convida a comemorar e a revisitar a aventura coletiva da comunidade de Azambuja, passados 750 anos.

E essa aventura histórica coletiva teve início no ano de 1199, no contexto da guerra da Reconquista Cristã iniciada com D. Afonso Henriques e da conquista e alargamento do território português. A guerra santa contra o domínio muçulmano e localização de Azambuja na fronteira natural do grande Tejo, impunha desde logo uma política de fomento e desenvolvimento com base na defesa e no povoamento. Quando D. Sancho I em 1199 convoca as autoridades de Lisboa, Santarém e Alenquer para com elas concertar a vontade de fazer ao cruzado guerreiro originário da Flandres a doação de Vila Franca que se chama “Azambuja” a D. Rolim, estávamos na aurora de uma entidade e identidade nova a acrescentar à malha concelhia e paroquial em formação.

Por um lado, o contexto da guerra e alargamento do território português para Sul e por outro, a pouca robustez demográfica, pode justificar a ausência da necessidade de estabelecer a regulação da comunidade.

Sendo caso quase único, durante 72 anos a unidade autónoma de administração e circunscrição local, que o mesmo é dizer o concelho de Azambuja, nascido com a doação do Rei Povoador a D. Rolim, o seu 1.º Senhor em 1200, regulou-se segundo a tradição das comunidades autárquicas medievais. Com uma identidade e um território fixado no último ano do século XII.

Essa doação ou “honra”, por distinção de “couto” e “beetria”, porque concedida a uma personalidade da Nobreza, como recompensa enquanto cruzado guerreiro vindo da Flandres, que ajudara o rei de Portugal na Guerra, também deu início a “Casa Senhorial” de Azambuja, enquanto Donatária da Vila. Sucedeu-lhe sua filha D. Maria Rolim, que mandara vir da Flandres onde nascera, juntamente com outros colonos flandrenses para fomentar o povoamento. Casou já em Portugal com Gonçalo Fernandes de Tavares e segundo os biógrafos medievais, faleceu em Azambuja e ficou sepultada na Matriz da Vila.

A D. Maria Rolim sucedeu seu filho e 3.º Senhor de Azambuja, Fernão Gonçalves de Azambuja, Senhor e Alcaide de Azambuja, casou com D. Ouroana Godina, ou Godins, pais de D. Rui Fernandes, 4.o Senhor e Alcaide de Azambuja, casou com D. Elvira Esteves, outorgantes do Foral de 1272.

Tal como seu pai, Rui Fernandes aparece como Alcaide de Azambuja, palavra de origem árabe que queria dizer governador militar, tal como Azambuja, também palavra de origem árabe, deriva de “zambujeiro” ou oliveira brava, lembrando que na vizinha Espanha o Alcaide é o presidente do município.

Com as devidas adaptações à realidade social local, o Foral em si, segue os códigos e prescrições em uso na época para este tipo de diplomas, mas responde a algumas interrogações e deixa muitas lições para o Presente.

Nas interrogações, sobretudo na parte final, entre testemunhas e confirmantes, responde e deixa-nos a certeza de que a governação local, o poder autárquico já funcionava em pleno e tinha os seus órgãos e membros. Além do Alcaide, outorgante senhorial e confirmante das justiças, juízes e oficiais municipais, eram alvazis municipais ou vereadores, Gil Gonçalves e João Esteves, os primeiros autarcas de que há memória.

A Vila tinha notário público ou tabelião, que redige e autêntica o Foral, agente coletivo necessário, porque investido de fazer e dar fé pública de atos privados, como ainda hoje é.

Também a vertente paroquial, Santa Maria de Azambuja era uma realidade na comunidade, por Francisco Anes, Prior de Azambuja em 1272, assinar e testemunhar o Foral.

Na heráldica a flor de lis tem origem na Flandres e desde muito cedo foi usada por várias Casas reinantes da Cristandade. O lendário D, Rolim, primeiro donatário da Vila de Azambuja era da Flandres e descendente dos reis de Inglaterra. É símbolo de poder, soberania, honra e lealdade, assim como de pureza de corpo e alma.

A grande lição para o Presente está na categoria que preside à vontade geral entre partes, buscando a felicidade do Povo – não foi uma vontade senhorial do donatário, mas um pacto ou contrato dele com os povos, ou vizinhos de Azambuja – pactismo ou contratualismo, como ficou registado nestes termosː

– En nome de deus ámen. Conhuçuda cousa seya assy aos presentes como aos que am de uiir que eu Roy fernandiz alcaide da villa dazabunja em sembra com mha molher Eluira esteues e com toda nossa voz e de nossoas vontades poemos e outergamos por foro a tadollos vizinhos dazanbuia de outorgamento e de consentimento desses vizinhos dazambuya…

E os vizinhos, essa primeira comunidade juridicamente organizada e regulada, vai responder ao Alcaide, com uma singularidade exemplarː

– E nós vizinhos dazanbuya esta carta, este foro outorgamos e louuamos.

E nós vizinhos de Azambuja esta carta, este foro outorgamos e louvamos.

O Foral, este contrato, foi selado, como se de um cumprimento se tratasse entre as duas partes contractuantes intervenientes, com o selo pessoal do Alcaide enquanto entidade jurisdicional e com o selo já em uso no concelho e símbolo dos povos o “zambujeiro”, que também nos foi então legado como herança e símbolo central da heráldica atual.

Por isso, ainda hoje, tem muita força a expressão popular “a falar é que a gente se entende”!

 

 

 

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